Francisco Diogo e as marcas profundas que a guerra pode deixar num combatente

Alexandra Roldão sempre escutou com atenção as histórias que a sua avó paterna, Maria Diogo Bernardo Roldão e a bisavó paterna, Jacinta Felícia Diogo, lhe contavam acerca de Francisco Diogo, irmão desta última. E referiam elas que, como na maioria das famílias daquela época, o agregado era numeroso, sendo constituído pelos pais, José Maria Diogo e Luíza Felícia e por seus sete filhos, quatro raparigas, Rita, Jacinta, Laura e Carlota, e três rapazes, David, Manuel e Francisco. Todos eles viviam então no Sardoal.
 
A história que agora nos chega será a de um destes rapazes, o irmão mais novo, Francisco, que teria sido mobilizado e cumprido a sua formação em Tancos com cerca de 21 anos, para depois vir a partir para a distante guerra, deixando sua mãe e irmãs preocupadas com o seu destino. Foi o único dos três rapazes a ser mobilizado e a partir para o conflito. Nenhum dos outros foi recrutado para África ou França, não se sabendo porque não foram enviados para um dos dois teatros, sendo os dois mais velhos que Francisco Diogo. Contudo, a realidade da família foi mesmo essa. Francisco estava talhado para partir para a Frente Ocidental. Para lá foi com tenra idade, tendo regressado um homem martirizado pela dor e sofrimento.
 
Francisco, como todos os irmãos, sabia escrever. Dessa forma enviaria postais para a sua mãe e irmã, que ainda hoje são guardados por Alexandra. Soldado do Regimento de Infantaria nº 22, com o número 496 e placa de identidade A8341, Francisco embarcou em Lisboa a 20 de Janeiro de 1917, para, poucos dias depois, chegar a Brest, com os seus companheiros de viagem, rumo a uma guerra massacrante e mortal. Enviado para a frente ocidental, palco da guerra na Europa, pouco tempo depois, a 21 de Fevereiro, Francisco baixou a uma ambulância, tendo alta em Março, no dia 31. O que o atirou para esta unidade de cuidados de saúde em campanha, não sabemos. Contudo, por esta altura Portugal não tinha ainda soldados a combater nas trincheiras, não estando ainda na primeira linha. Poderá ter sido uma doença adquirida na viagem ou algo que tenha sucedido no treino ou na vida diária, nos aboletamentos, nas marchas difíceis e rigorosas.
 
Contudo, o período de internamento é considerável, tendo em conta que, depois, Francisco será vítima de outros internamentos e de outras baixas e altas médicas. Que começaram pouco depois, a 5 de Abril. Nesse dia retornaria ele a ambulância de campanha, para ter nova alta no dia 12, pelo que se poderá pensar que terá tido alguma recaída na sua doença, inultrapassável sem tratamento dado o seu precário estado de saúde.
 
A sua saúde continuaria a atormentá-lo. Este jovem, que vemos com a irmã, numa fotografia antes de partir, cheio de saúde aparente, e já depois do R.I. 22 entrar nas trincheiras, voltará a baixar a uma ambulância. Assim, a 22 de Outubro dá entrada na ambulância 4, sendo depois evacuado para um Hospital de Sangue, apenas dois dias depois, e seguindo-se ainda uma evacuação deste para o Hospital de Base nº 2, na rectaguarda. Ser-lhe-ia dada alta, para que se apresentasse no Quartel-general da Base, a 6 de Novembro, e a 16 daquele mês já se encontrava novamente integrado naquele que era o seu batalhão.
Assim mesmo não o tenhamos por um homem demasiado débil, tanto que não fosse castigado, aqui e ali, pelas suas palavras mal medidas, ou acções em campanha consideradas irresponsáveis. Francisco Diogo foi punido em 18 de Maio de 1917 com 6 dias de detenção e a 22 de Julho de 1917 com 2 dias de detenção por ter faltado a um tempo da sua instrucção, facto perfeitamente banal no que diz respeito à lógica de punição militar para os que, adormecendo ou não lhe apetecendo, faltavam a acções essenciais, determinadas pelos seus superiores. Já mais gravosa terá sido a detenção por 15 dias deste combatente, por sentença de 13 de Março de 1919, e que o mesmo cumpriu antes de embarcar de regresso.
 
Tudo porque, como refere a sua ficha de combatente, comentou a forma pela qual um oficial tinha marcado as tarefas do trabalho de manutenção das trincheiras, tendo incluso se permitido ir verificá-las ao local. Esta punição poderá estar relacionada com a punição, em 1917, do seu comandante, o Major António Ribeiro d´Almeida e Silva, admoestado igualmente com 10 dias de prisão, exactamente por não ter preparado bem as trincheiras, determinado a sua limpeza e guarnição, entre outros aspectos. No entanto, devemos sim ter em conta que Francisco cumpriu o seu tempo, tendo sido posto em liberdade a 3 de Abril de 1919, pouco antes de ser reencaminhado a Portugal, junto com os camaradas do famigerado e massacrado R.I. 22, a 25 de Abril de 1919.
 
Segundo as senhoras já referenciadas, e incluso Nuno Bernardo Roldão, pai de Alexandra e sobrinho-neto do combatente, Francisco Diogo voltou da guerra muito doente. Diz-se ainda hoje na família que retornara «gaseado», sofredor de doença por causa dos gases inalados na frente. Contudo, pudemos constatar que, antes mesmo da sua ida à trincheira, ele sofria já de problemas de saúde, o que não impediu que tivesse sido gaseado, particularmente porque o Regimento de Infantaria nº 22 teve considerável número de feridos, mortos e gaseados.
 
Assim, a realidade é que a sua saúde estava de tal forma debilitada que, quando voltou, terá dito à família que ficaria em Lisboa, possivelmente pela proximidade, pois estaria a tratamento no Hospital de Arroios, sem que este aspecto tenha sido ainda confirmado. Contudo, a realidade é a de que ficou por Lisboa por muito tempo, e não voltou à sua terra natal. Só muito tempo depois regressa ao Sardoal, mas já não voltava igual. Também se viria a casar depois da guerra, sem que se conhecesse qualquer namorada antes do conflito, pelo que corre a notícia que se casou, ou pelo menos terá tido um relacionamento, com uma enfermeira da unidade de tratamento, em Arroios.
 
A sua vida é então densa e negra, sabendo-se pouco. Não se sabe quão doente terá estado, a naturalidade ou o nome da esposa, ou como a terá conhecido, pois não era do Sardoal. Porque ficou em Lisboa acabou sempre por ser um mistério, que ao contrário de se dissipar com os anos, tendeu a adensar-se, como o forte nevoeiro. Porque uma coisa estava certa, deste a guerra. Francisco ficou marcado pela sua violência e não mais voltaria a ser quem era. Voltou doente e sofrido e diz-se que, depois de descobrir a infidelidade da esposa, com a qualidade de vida diária comprometida, e sem esperanças, apenas mágoas, terá cometido suicídio por enforcamento, não mais regressando para privar com os que tanto amou.
 
A sua vida é uma bruma, como a de tantos combatentes. Moldada pelo sofrimento e pelos choques da guerra, pela doença e pela mutilação. Não serviu de exemplo pois dele pouco mais se sabe do que o seu percurso em França, contido no seu Boletim Individual do CEP (AHM). Um papel, que ajuda Alexandra Roldão e a família na esperança de vir a saber mais… Por onde andou, do que padeceu, onde foi sepultado. Numa busca que tantos familiares fazem ainda pelos seus, quase 100 anos depois da entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial. 

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Alexandra Roldão

Intervenientes

 

Nome
Francisco Diogo
Cargo
Soldado

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7191-francisco-diogo-e-as-marcas-profundas-que-a-guerra-pode-deixar-num-combatente

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