Guerra e Comunicações. Portugal no Contexto Internacional

Um posto telefónico na linha portuguesa. Um posto telefónico na linha portuguesa. Arnaldo Garcês, Portugal na Guerra. Revista Quinzenal Ilustrada. Ano 1, nº 6, Novembro de 1917, p. 16.
 
Ainda antes da eclosão da Grande Guerra, a posição geográfica de Portugal destacava-se já pela sua importância estratégica na rede intercontinental de telecomunicações, designadamente pelo papel que o arquipélago dos Açores assumira desde a última década do século XIX enquanto ponto intermédio fundamental de amarração de cabos transatlânticos, atraindo alguns anos depois os interesses americanos e alemães, numa altura em que a rede de comunicações mundial era ainda dominada pela companhia britânica Eastern. O impacto desta dimensão geoestratégica do País em situação de guerra fez-se sentir logo durante o período de neutralidade portuguesa, pela perturbação das comunicações luso-alemãs. A 16 de Agosto de 1914, e aludindo ao corte do cabo entre Emden e Vigo, que estabelecia a ligação telegráfica entre Portugal e a Alemanha, o então ministro de Portugal em Berlim, Sidónio Pais daria conta das dificuldades sentidas na expedição de telegramas pela Legação.[1] Com efeito, a 5 de Agosto de 1914, os cabos alemães que ligavam a Horta (Faial) a Emdem (Alemanha) tinham sido cortados pelos ingleses, com o navio "Telconia”, e em Abril de 1915 seria suspensa a ligação alemã entre a Horta e Nova Iorque. Parte destas ligações seria mais tarde desviada para território francês, servindo as respectivas comunicações.[2] A cumplicidade do Governo Português neste processo foi recebida com inquietação pelas autoridades alemãs, num momento em que Portugal mantinha ainda o estado oficial de neutralidade. Em Abril de 1915, o Governo alemão daria por isso conta da “estranheza [com que tomara] conhecimento de que o Governo da República tivesse adoptado tais medidas contra os cabos alemães, enquanto a Inglaterra pode manter tranquilamente em território português, agora como dantes, a sua exploração telegráfica”, interpretando nesta medida, “(…) uma grave violação de neutralidade do Governo da República”.[3]
A par das comunicações por cabo submarino, as radiocomunicações já integravam também as redes de comunicações mundiais, cujo desenvolvimento recente seria particularmente estimulado pelo contexto de guerra. Com efeito, e embora o primeiro conflito mundial limitasse diversos planos de construção da rede internacional de telegrafia sem fios (TSF), foi também (e precisamente) no contexto da guerra que se aperfeiçoaram ramos fundamentais das radiocomunicações como o sistema de onda curta e a radiotelefonia, reflectindo a dimensão modernizadora do conflito nos espaços de inovação tecnológica.
Em Portugal, o esforço militar e as exigências de natureza estratégica levaram à instalação de um posto radiotelegráfico de elevada potência em Monsanto (Lisboa), permitindo comunicar com estações inglesas, francesas, italianas (em Génova) e espanholas (Cádiz e Las Palmas), assegurando ainda, durante a noite, as comunicações com a estação brasileira da ilha de Fernando de Noronha. A partir deste posto português, instalado em 1916, foram estabelecidas ligações entre a esquadra inglesa em operações no Atlântico a Oeste de Lisboa e o comando aliado instalado em Gibraltar, a par da emissão de avisos à navegação[4]. Foi também através do posto de Monsanto que chegou a notícia do armistício, em 1918[5]. Durante o conflito foram ainda instalados os postos do cabo da Roca (em 1916), aproveitando um emissor alemão Telefunken de um avião aprisionado, e de Faro (em 1917), para servir as comunicações com o estreito de Gibraltar e a rota marítima entre Mediterrâneo-Atlântico.
No espaço colonial, e logo a partir de 1914, o esforço militar levou à construção pontual de postos TSF para fins militares e que continuaram a funcionar no final do conflito. Já depois da guerra, em Setembro de 1919, a Câmara dos Deputados aprovou duas propostas para aquisição de material TSF a instalar em Cabo Verde [6] e dois postos de alta potência para Moçambique, onde existiam apenas duas estações de curto alcance retiradas de vapores alemães durante as hostilidades. Em Angola, o primeiro serviço radiotelegráfico foi organizado por decreto de Setembro de 1918[7], quando se previa já a futura instalação de uma estação central radiotelegráfica em Luanda, de estações marítimas e estações internas fixas e móveis.
Durante o conflito, Portugal assumiu ainda alguma importância estratégica no domínio experimental, onde a Marinha se destacou com adaptações do sistema Marconi às necessidades técnicas dos seus postos, a par da já conhecida posição geográfica estratégica que serviu de cenário a ensaios técnicos e experiências ao largo dos Açores, Madeira e Cabo Verde pelo próprio inventor da radiotelegrafia, Guglielmo Marconi, durante a guerra e nos anos que se lhe seguiram.[8] Os primeiros ensaios radiotelefónicos em Portugal decorreram em 1916, a partir do posto de maior potência construído em Monsanto. Os resultados das experiências registaram a voz entre esta estação e o navio Douro, a cerca de 300 km de distância, levando a marinha portuguesa a adaptar as instalações necessárias ao novo meio de comunicação.[9] Alguns anos depois, em 21 de Abril de 1920, numa das suas passagens por Lisboa, Marconi comunicou com o posto radiotelefónico do Arsenal, a 270km de distância.[10]
Os anos de pós-guerra herdaram deste modo todos estes benefícios do desenvolvimento e inovação tecnológica operados ao longo do conflito, herança essa que se reflectiu, a um muito curto prazo, no desenvolvimento das redes mundiais de comunicações.
 
Inês Queiroz (IHC)
 

[1] Ofício do Ministro de Portugal em Berlim, de 16 de Agosto de 1914, enviado ao ao Ministro dos Negócios Estrangeiros através da Legação portuguesa em Roma publicado em Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Tomo I – As Negociações Diplomáticas até à Declaração de Guerra, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1995, p.38.
Em face destas dificuldades de comunicação, Sidónio Pais passará a comunicar com o Ministério dos Negócios Estrangeiros português através da Legação portuguesa em Berna.
[2] SILVEIRA, Carlos M. Ramos da, O Cabo Submarino e outras Crónicas Faialenses, Edição do Núcleo Cultural da Horta, 2002. p.69
[3] Ofício do Ministro de Alemanha em Lisboa, F. Rosen, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português, de 23 de Abril de 1915, publicado em Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Tomo I – As Negociações Diplomáticas até à Declaração de Guerra, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1995, pp.235-236.
[4] Arquivo Central de Marinha. “Telegrafia sem fios”. 1911-1931. Caixa n.º 1514. Nota N.º 33, confidencial, de 24 de Março de 1920, emitida pelo Ministério da Marinha/Majoria General da Armada.
[5] Cf. FONSECA, José da Cruz Moura da, TSF (A) na Armada: o seu septuagésimo aniversário e algumas páginas da sua história, s/e, s/l, 1985, p. 15.
[6] Diário da Câmara dos Deputados, Sessão n.º 56, de 6 de Setembro de 1919, p. 36.
[7] Decreto n.º 4 852 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 212, de 28 de Setembro de 1918.
[8] ROLLO, Maria Fernanda, QUEIROZ, Maria Inês, Marconi em Lisboa. Portugal na Rede Mundial de TSF, Fundação Portugal Telecom, Lisboa, 2007.pp.70-74
[9] Cf. “ A Telefonia sem fios” in Ilustração Portuguesa, n.º 716 de 10 de Novembro de 1919, Lisboa, pp.371-372.
[10] “O inventor Marconi chega hoje a Lisboa” in Diário de Notícias, n.º 19 536, de 21 de Abril de 1920, p.1.
 
Cite como: Inês Queiroz, "Guerra e Comunicações. Portugal no Contexto Internacional", A Guerra de 1914 - 1918, www.portugal1914.org

Comentários

Comentar...

Últimos Artigos