França, Janeiro de 1917 - Uma missão de estudo e preparação portuguesa entre ingleses

Antes mesmo dos grandes envios de tropas para França, que ocorrem a partir de meados de Janeiro de 1917, chegavam a França homens com uma missão: estudar e preparar a chegada do CEP à Frente Ocidental. Esta fotografia mostra-nos seis homens, seis jovens militares que partiram para França exactamente com esses objectivos. Da grande maioria pouco se sabe. A fotografia foi trazida por um deles, Eurico Cunha. O espólio chegou-nos através do coleccionador e familiar de dois combatentes, Victor Neto. Agora, cumpre-nos recordá-los, neste contexto dos Dias da Memória. E recordando-os, relembrar alguns pormenores sobre as vidas militares escondidas numa simples fotografia de grupo.

Os seis homens encontram-se fardados, bem agasalhados - estavam em Paris-Plage em Janeiro, e o frio era intenso! - encontrando-se dois deles sentados e outros quatro em pé. O verso da fotografia identifica-os:

«Da esquerda para a direita

1º plano: Capitão Luis do Nascimento Dias

          Capitão José Garcia Marques Godinho

2º plano: Alferes Fernando Mamede

          Alferes Raul Eugénio Tavares de Vasconcellos

          Tenente Eurico Cunha Barbeitos da Silva

          Alferes Joaquim Magro

Representantes do 1º e 2º regimentos d´Infantaria junto do Exército Britânico, em missão de estudo e preparação.

Paris Plage, Janeiro de 1917»

A fotografia, trazida por Eurico Cunha, chegou até nós e nós fomos à procura destes homens. Tirando Joaquim Magro, que claramente não era alferes e sim tenente, e que se podia confundir com outro combatente, falecido em França e seu homónimo, todos foram facilmente encontrados no Arquivo Histórico Militar, nosso parceiro, ao qual sempre agradecemos a disponibilização de informação.

E, quem eram estes seis militares e o que conseguimos descobrir sobre eles?

 

Luís do Nascimento Dias:

Capitão de infantaria, Luís do Nascimento Dias pertencia ao Regimento de Infantaria 28, e foi para França a 25 de Dezembro de 1916. Não fosse a fotografia que agora analisamos, nada saberíamos sobre as suas actividades de contacto com os Ingleses, visto que não surgem mencionadas no Boletim Individual. Só um imenso salto temporal, pois foi considerado director da escola de metralhadoras da sua brigada já em Abril e estaria presente em Infantaria 28 em 10 de Maio de 1917. Foi nomeado director do Campo de Instrução a 17 de Dezembro de 1917 e, desde essa altura, 2º comandante do R.I. 28 em França. Adoece em finais de Março de 1918. Baixa ao Hospital de Sangue nº 2 em 29 daquele mês, e será observado no Hospital da Base 2 em 31 de Março de 1918. Estando doente, obtêm uma licença da junta para tratamento, que só lhe é concedida já em 16 de Abril, e segue para Portugal no final desse mês. Será então nomeado para fazer parte da comissão encarregue de elaborar o projecto de construção do Colégio Militar do Porto e não regressará a França.

José Garcia Marques Godinho

Também José Garcia, pertencente ao Regimento de Infantaria 22, partiria para França a 25 de Dezembro de 1916. Capitão, é referido como 2º Comandante do 1º Batalhão, cargo que apenas começará a desempenhar a partir de Agosto de 1917. A 3 de Janeiro de 1917 apresenta-se na zona de guerra, em Etaples, onde permaneceu até 2 de Fevereiro. Refere a sua ficha que se terá apresentado então ao Quartel-general, pois era membro da equipa de instrução. A 9 de Fevereiro de 1917 estava já com os seus homens e a 15 daquele mês é nomeado Director da Escola de Granadeiros em Marthes, serviço que executa com esmero, o que lhe garante um louvor. Em Abril de 1917 está em diligências para o Front, para onde se dirige com os homens de Inf. 22. Em Janeiro de 1918 é novamente chamado às áreas da instrução, sendo chamado ao Quartel-General da 1ª Divisão para ser nomeado director da Escola Divisionária da 1ª Divisão. Em Fevereiro, já depois do incidente em La Lys, recebe 53 dias de licença em campanha e vem a Portugal. Quando finda a sua licença tenta retornar a França mas não consegue, ficando em Infantaria 2 a aguardar transporte. Só retorna a França em 24 de Setembro de 1918. É novamente louvado, já em 1919, pela sua dedicação ao serviço, que efectuará inclusivamente nas trincheiras, como referem os seus superiores, pese embora fosse já 2º Comandante. Só regressaria a Portugal em 28 de Maio de 1919.

Fernando Mamede

Pertencente ao Regimento de Infantaria 21, o alferes Mamede seria promovido a tenente em 29 de Setembro de 1917. O seu Boletim Individual de combatente refere a tinta negra que embarcou em 21 de Janeiro de 1917 para França, mas por cima, a lápis, alguém se interrogou e escreveu «25 de Dezembro de 1916?». Sabemos por esta fotografia que assim foi, e que ele partiu naquele dia para França. Sobre as suas actividades nesta missão nada é referido, pois que nem os responsáveis pela estatística do CEP sabiam bem se ele tinha ou não partido com ela. Terá baixado ao Hospital de Sangue nº 1 em 11 de Março de 1918 porque foi ferido em combate e evacuado para o Hospital nº 32, unidade inglesa, em 14 de Março. Só tem alta a 23 de Abril, seguindo para a sua unidade, para aguardar os resultados da junta médica. Detentor de uma licença em inícios de Maio, regressa a Lisboa para não mais regressar a França, sendo observado no Hospital Militar de Lisboa e obtendo licenças por doença até ser abatido ao efectivo do CEP.

Raul Eugénio Tavares de Vasconcellos

Raul Eugénio, pertencente a Infantaria 22, partiu para França em 25 de Dezembro de 1916 como oficial de Informações, sendo igualmente referido como Chefe dos Observadores no 1º Batalhão. Assim sendo, apresentou-se em França na Secção Divisionária de Observadores e, mais tarde, já em Julho de 1918, seria nomeado oficial de ligação. Em Outubro de 1917 encontramo-lo a seguir para o bosque de Pecort, para se juntar ao grupo de observadores do seu batalhão, para receber instrução. Colocado como adjunto do grupo de observadores em 14 de Janeiro de 1918, é nomeado seu chefe em finais de Março daquele ano. Foi condecorado com a medalha comemorativa da campanha em França em 27 de Fevereiro de 1919, retornando a Portugal em 1 de Março daquele ano.

Eurico Cunha Barbeitos da Silva

Responsável pela chegada desta fotografia aos tempos de hoje, pelas mãos de Victor Neto (veja-se a história de Eurico em anexo)

Joaquim Magro

De seu nome completo Manuel Joaquim Magro, este alferes não apresenta Boletim Individual no seu registo no Arquivo Histórico Militar, mas tem outros documentos, que nos deixam antever um pouco de quem era e os problemas que teve em França. Pertencente a Infantaria 28, tal como podemos ver no seu braço direito, na fotografia, Joaquim Magro terá embarcado em Dezembro de 1916 para França, visto que se refere que estaria nas Escolas Inglesas a partir de 27 de Dezembro de 1916. Ali permaneceu até 5 de Fevereiro de 1917, o que explica a sua presença nesta fotografia de grupo. A 6 de Fevereiro movimentou-se para a zona de Aire, sendo incorporado no Regimento de Infantaria 34 dois dias depois. Em 5 de Abril de 1917 está a apresentar-se ao seu batalhão, o R.I. 28. Durante esse tempo esteve alguns dias no sector de Laventie. Baixou à ambulância nº 3 em 7 de Julho de 1917, sendo transferido para uma unidade hospitalar alguns dias depois, e tendo alta a 15 de Julho. Sabemos que em 1918 se encontrava ainda em França. Apresenta-se a 20 de Abril de 1918 nas Escolas do CEP, onde prestou serviço até Maio. Todavia, a informação é escassa e desconhecemos os motivos da sua doença, bem como a data em que retornou a Portugal.

Algures nos últimos dias de Janeiro de 1917 estes homens juntaram-se em Paris-Plage para tirar uma fotografia. Nenhum deles sabia o que o Futuro reservava. Agora, aos poucos, lidamos com o tempo mas com o Passado, e vamos descobrindo por onde andaram, o que viveram, e como viveram depois de se separarem.

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Victor Neto

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Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
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