Enfermeiro durante a Grande Guerra - as memórias de António Travassos de Almeida

António Travassos de Almeida nasceu a 17 de Janeiro de 1894, em Nogueira, Arganil, filho de Manoel Antunes Martins d’Almeida e de Maria d’Assunção Travassos. António tinha 3 irmãos, Manoel, Francisco e Maria da Luz. Outros dois irmãos faleceram precocemente.

António frequentou os Preparatórios Médicos para o curso de Medicina na Universidade de Coimbra, e ali terá estado até 1916. Angelo Miguel, seu neto, guarda ainda uma foto dele, desses tempos de estudante. Tal como refere a sua ficha de combatente, consultável no Arquivo Histórico Militar, apresentou-se em Janeiro de 1916 no Regimento de Infantaria 14 em Viseu, onde fez a recruta. Durante o serviço militar, frequentou a Escola de Enfermeiros obtendo o 2º grau de enfermagem, ficando adido à 2ª Companhia de Saúde do Regimento de Infantaria 14. Partiria para França em 23 de Março de 1917 como 1º Cabo Enfermeiro com apenas 23 anos.

Existem relatos diversos que o seu neto se recorda, contados por sua mãe, a filha mais nova de António que ainda é viva. Dizia ele que eram três no local onde atendiam. Ele, outra pessoa, possivelmente um enfermeiro, e o seu chefe, o médico. Este último teria gota, uma doença inflamatória de cariz reumatológico, e quando tinha ataques da doença, pedia a António que tratasse dele. Isso teria desencadeado algum desagrado pela parte do seu outro camarada, ainda para mais que, como agradecimento, o médico lhe passava licença para ir a Paris uns dias.

E como gostava António de ír a Paris, de onde trouxe boas recordações. De pessoa que não gostava de relembrar a guerra, eram os momentos que lhe traziam boa disposição.

Em outra ocasião, referia António à sua Esposa Maria, tinham que fugir dos bombardeamento, nas trincheiras e posto onde ele auxiliava no atendimento. Por várias vezes teriam que evacuar os feridos rapidamente, do posto que ocupavam, pois ía tudo pelos ares. Em outra altura, sendo que um dos seus companheiros se atirava constantemente para o chão, pois não conseguia distinguir pelo barulho dos obuses e artilharia que caía, se estavam aqueles mais ou menos longe. Não distinguia se estava em mais ou menos em perigo, e «cavava» para o chão a toda a hora. António a dada altura ter-se-ia chateado, e com algumas interjeições típicas dos homens de combate, ter-lhe-á dito em tom forte e desesperado: “Venha atrás de mim, e só se atire para o chão quando eu o fizer! ". Recordação que o atormentava, era a de um soldado que segurava nas mãos as suas próprias entranhas, pedindo-lhe ajuda, pois tinha mulher e filhos… E António, em desespero, nada podia fazer por aquele homem. Porque, à época, ferimentos gastrointestinais eram, na realidade, uma verdadeira sentença de morte. Um tiro na barriga era morte certa para um soldado.

A 4 de Outubro de 1918 António viria a Portugal, para gozar-se de uma licença de 43 dias, não mais retornando à Frente Ocidental. O Armistício poupou-lhe uma viagem de regresso ao Inferno das linhas e dos feridos.

Após o cumprimento do serviço efectivo até Agosto de 1919, passou à reserva activa em Janeiro 1920. Retornaria à Universidade de Coimbra em Outubro de 1921.

Dedicar-se-ia depois a ensinar no Colégio de S. Pedro, em Coimbra, que pertencia e era dirigido pelo seu primo direito, José da Fonseca Travassos.

Mais tarde e por motivos de saúde, o seu pai perderá o andar, vítima de doença óssea e doença prolongada. Como era já viúvo e ficara só, António viu-se na contingência de regressar a Nogueira, para cuidar do pai e administrar os bens de família. Ali viria a assistir à degradação da condição física do progenitor e à sua subsequente morte, assim como perderia igualmente a irmã Maria da Luz Travassos d´Almeida.

Casaria com a jovem de 23 anos, Maria Nunes Travassos, em 1937. Consta que ela terá ajudado António nos últimos anos ou meses de vida de seu pai, tendo ido para a casa para auxiliar ao tratamento do mesmo. António teve com sua esposa quatro filhos: Maria Dulce, Maria de Lurdes, António Manuel e Maria Clara. Não chegaria a ver os filhos adultos pois faleceria poucos anos depois.

Refere seu neto Angelo Miguel, que o avô trouxe da guerra conhecimento e traumas. Sua mãe refere que lhe contaram a forma como ele lidava com os familiares, em especial os filhos, não permitindo que as crianças saissem para a rua sem inúmeras advertências e pedidos de cuidados extra, mesmo que fossem seus sogros a leva-los. Conhecia ele bem a doença, inflamações advindas de ferimentos ás vezes até pouco letais mas que pela influência das bactérias, tornavam-se fatais e causa de incontáveis amputações nos seus camaradas. (Flemming só mais tarde descobriria a Penicilina.) Conhecia as formas de contágio, tratando de todos em casa, e temendo igualmente pelos pequenos que tentava assim proteger.

Contava ainda a sua esposa que a sua maior preocupação, quando acamado, já no seu leito de morte, padecendo de um tumor intestinal, seria a de não acompanhar o crescimento dos seus filhos. Acamado, dava ainda indicações à sua esposa Maria Nunes Travassos de como tratar os enfermos que a ele recorriam. E que lhe escorreriam as lágrimas pelo rosto quando pedia para lhe levarem a recém-nascida Maria Clara aos seus braços, que ficaria órfã de pai com poucos meses. Razão pela qual deixou um pedido final a seu irmão Manoel e cunhada Maria Clara Bernardes dos Santos que apadrinhassem a pequena criança, pois temia pelo seu futuro e pela falta que faria aos seus outros filhos e à esposa, viúva ainda tão jovem.

Maria Nunes não voltaria a casar. Terá sempre ajudado as pessoas da casa e da zona de Nogueira, com os conhecimentos que aprendeu com o marido, ao nível da enfermagem, e passando o legado a todos os que quisessem aprender, até falecer em 1998. Foi uma alma caridosa e boa, reconhecida no próprio "Jornal de Arganil", que refere a sua morte. Quanto à sua filha mais nova, Maria Clara, ainda é viva. O seu pai faleceu quando ela tinha apenas 5 meses. Hoje é ela o repositório destas e de outras memórias de família.

Seu pai faleceu em Nogueira, Arganil, a 18 de Setembro de 1943. A família guarda hoje a sua fotografia, tirada em França, em 24 de Agosto de 1917. Um jovem de rosto belo, com uma braçadeira do serviço médico, que deixa antever uma cruz vermelha, deixa-se fotografar com ar sereno, em meio a uma guerra que, de serenidade e calmaria nada teria. E que marcou a sua vida, como a de tantos jovens, portugueses e estrangeiros, até ao fim dos seus dias.

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela, Maria Clara Antunes Martins Travassos e seu filho, Angelo
Testemunha - Contador
Maria Clara Antunes Martins Travassos e filho Angelo

Intervenientes

 

Nome
António Travassos de Almeida
Cargo
Enfermeiro

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França

Mais informações

 

Data do início da história
1916
Data do fim da história
1919

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7221-enfermeiro-durante-a-grande-guerra-as-memorias-de-antonio-travassos-de-almeida

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  • Breve História do REGIMENTO DE INFANTARIA 14 - VIRIATOS - na 1ª Guerra Mundial -França:

    A 26 de Março de 1916, sob o comando do Coronel Adolfo Lebre, o comandante do Regimento levou até Tancos o 1º Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 14. Estes homens formaram com as restantes tropas a Divisão de Instrução que foi o núcleo do posterior Corpo Expedicionário Português a França. Foi organizado o Batalhão de Infantaria 14 que, integrado no Corpo Expedicionário Português, seria destacado em 1917 para a Flandres e que vem a conhecer o combate nas trincheiras dos sectores de Fauquissart e Neuve Chapelle, o conhecido “sector da morte”.
    A 22 de Março de 1917, partiu de Viseu de comboio para Lisboa o 1º Batalhão. No dia 23 de Março o Batalhão Infantaria 14 embarcou em Alcântara nos transportes Ingleses A, B e C, escoltados pelos contratorpedeiros HV e HO, para França. Embarcaram um total de 27 oficiais, 58 sargentos e 1.149 cabos e soldados. Chegaram ao Porto de Desembarque, em Brest, no dia 26 de Março. O Batalhão foi comandado pelo Major Horácio Severo de Morais Ferreira.
    Após meses intensos de treino específico para a guerra de trincheiras, foram destacados para a Flandres onde vieram a conhecer o combate nas trincheiras dos sectores de Fauquissart II a 10 de Julho de 1917, o qual ocuparam. O Regimento de Infantaria n.º 14, em conjunto com os regimentos 12, 9 e 15, formaram a 3ª Brigada da 1ª Divisão do Corpo Expedicionário Português. Os meses decorreram em trincheiras revolvidas pelos bombardeamentos, os pés enterrados na lama, olhos doridos que fitavam a noite, procurando adivinhar os movimentos de patrulhas inimigas. Ataques de Gases, tiros de morteiro, combates com patrulhas, raides à terra de ninguém.
    A 13 de Janeiro de 1918 ocuparam o sector de Neuve-Chapelle conhecido como o "Sector da Morte". Destacaram-se pela “bravura e intrepidez” no dia 19 de Março de 1918, em que, após um bombardeamento sobre as linhas inimigas e de rastejar 3h pela Terra de Ninguém, assaltaram as trincheiras alemãs. Foi uma missão coroada de êxito, tendo conseguido alcançar todos os objectivos, fazendo prisioneiros, causando baixas e estragos consideráveis ao inimigo. O Capitão Vale de Andrade foi condecorado com a Cruz de Guerra de 1ª Classe, que o actual estandarte do RI 14 ostenta com orgulho.
    O RI14 esteve na Batalha de La Lys que se travou entre os dias 9 e 29 de Abril de 1918, no vale do rio Lys, na região da Flandres francesa. Encontrava-se acantonada em Pont Riquel, como parte da 3ª Brigada da 1ª Divisão, a qual estava de reserva à 2ª Divisão que cobria o sector português à data. O Batalhão sob o comando do Major Vale de Andrade cumprindo ordens avançou às 7 horas para os postos de combate na Linha das Aldeias. O Major Vale de Andrade ficou ferido durante o combate.
    Apesar da intensidade dos combates a 1ª e 2ª Companhias conseguiram ocupar as suas posições nos postos Eton e Charter House respectivamente, onde permaneceram até às 11h 45mn a combater.
    Em Julho de 1918, o Batalhão encontrava-se em Les Ciscaux. Nesta data assume o comando o Tenente-coronel João de Almeida Leitão. Em Agosto o Batalhão sob o comando do comandante do Batalhão, marchou para Mametz onde prestaram honras ao rei de Inglaterra, Jorge V, de passagem naquela localidade.
    Em Outubro de 1918, o Batalhão cooperou com o corpo de Engenharia Inglesa n.º 469, para recuperar a estrada entre Armentieres-Lille. O principal objectivo foi a recuperar a ponte de Lille e os acessos próximos, para permitir a passagem da artilharia, durante o avanço sobre a cidade.
    Regimento Infantaria 14-
    -“Cuja Fama Ninguém Virá Que Dome”

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