A 7 de Agosto, Bernardino Machado, presidente do Ministério, submeteu ao Congresso da República, reunido extraordinariamente, uma declaração de princípios sobre a condução da política externa portuguesa. Portugal não faltaria ao cumprimento das suas obrigações internacionais, em particular as impostas pela sua aliança com a Inglaterra. Por pressão do Foreign Office, Portugal não podia declarar-se nem beligerante nem neutral face à Guerra na Europa. Dias depois, foi decretado o envio de dois destacamentos mistos (artilharia de montanha, cavalaria, infantaria e metralhadoras) com destino a Angola e Moçambique. As primeiras tropas portuguesas partiram para África um mês mais tarde.
Instalar-se-ia entretanto a divergência, entre intervencionistas e não-intervencionistas na guerra, mesmo dentro do Governo. Desejada e procurada por uns, poucos, evitada ou rejeitada e criticada por outros, a intervenção de Portugal na Guerra e a participação específica de forças militares na frente europeia desencadeou um debate intenso, conturbado e generalizado, concentrando o confronto de ideias, argumentos e posições políticas extremadas, e concitando a contestação crescente de grande parte da sociedade portuguesa.
Ao centro, assumindo um tom marcadamente moderado, encontrava-se o Partido Republicano Evolucionista, chefiado por António José de Almeida. O líder dos Evolucionistas nunca hesitou em colocar-se ao lado do governo britânico, dando-lhe o apoio do seu partido. Democráticos e Evolucionistas constituiriam, em Março de 1916, o Governo de “União Sagrada”.
O Partido Socialista e os movimentos anarquistas e sindicais, apesar da sua fraca expressão numérica, mas significativa influência social, mostraram-se desde o início contrários à participação no conflito.
Tanto “guerristas” como “anti-guerristas” defendiam o envio de tropas portuguesas para África, apontando a necessidade da República defender a integridade do império colonial português.
Entretanto, embora a neutralidade acabasse por se manter até Março de 1916, os impactos de um conflito em escalada mundial, prolongando-se por um período muito para além do que se imaginara, far-se-iam sentir-se de forma muito intensa, refletindo-se na escassez e na carestia de bens essenciais à subsistência de uma população cujos níveis de contestação social e política se intensificavam.
Em 1914, com exceção da Etiópia, da Libéria e da União Sul Africana, que eram independentes, da Líbia e de Marrocos que não tinham sido ainda “formalmente conquistados”, o resto do continente africano encontrava-se ocupado e dividido entre o Reino Unido, França, Portugal, Alemanha, Espanha, Itália e Bélgica. A Grã-Bretanha detinha o maior império em África, controlando cerca de 4/5 do comércio na região a Sul do Sahara. A Alemanha, por sua vez, dando continuidade à política iniciada por Bismark no final do século XIX, detinha um pequeno império, mas estrategicamente posicionado, estendendo-se de Madagáscar até à entrada do Mar Vermelho. Ambos os impérios faziam fronteira com territórios sob administração portuguesa, cujo domínio tinham começado a disputar no palco internacional.
Em 1916 a posição de Portugal alterou-se tornando-se um país efetivamente beligerante a partir da declaração de Guerra que a Alemanha lhe dirigiria em Março de 1916. A declaração surgia na sequência do aprisionamento dos navios alemães e austríacos refugiados nas águas neutrais portuguesas que os ingleses solicitaram a Portugal.
A 24 de Maio, o ministro da Guerra, Norton de Matos, publicou um diploma ordenando o recenseamento militar obrigatório de todos os cidadãos com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos. Foram então criados o Corpo Expedicionário Português (CEP) e, mais tarde, o Corpo de Artilharia Pesada Independente (CAPI). A preparação do CEP tornou-se prioridade absoluta, iniciando-se o chamado “milagre de Tancos”.
A mobilização do País para a guerra, convocando todos os recursos, humanos e materiais, ficou longe de suscitar o consenso, aumentando a contestação contra o governo da União Sagrada e o envio de tropas para França, crescendo as divisões internas em todos os planos, incluindo dentro das Forças Armadas.
Tendo tido um impacto brutal no campo económico e social e acabando por pôr em causa o próprio regime republicano, que em vão procurava afirmar-se através dela, para Portugal, a Guerra foi sob todos os pontos de vista a passagem para um Mundo diferente, inexoravelmente refém do impacto de uma guerra que se tornara global.
A I República, a prazo, soçobraria, tendo os efeitos da Guerra tido um peso determinante nesse desfecho, atuando num contexto de elevada crispação política, acentuada e crescente instabilidade e insatisfação social, transpondo os limites da resistência, entre a fome e a carestia. A guerra, como se repetiria mais tarde no quadro da II Guerra Mundial, deixava bem à vista a fragilidade da economia nacional, a incapacidade do seu tecido produtivo, a vulnerabilidade crónica da sua situação financeira e a impotência das soluções conjunturalmente encontradas. Não estranha ninguém o mal-estar social instalado ou a contestação crescente, e como o clima de instabilidade e violência abriu caminho a sucessivas conjunturas políticas, em particular a ditadura de Sidónio Pais, e, a prazo, ao esgotamento do modelo político liberal da própria I República.
Forças Mobilizadas entre 1914 e 1918
Total das Forças Mobilizadas para os teatros de Guerra da Europa e África (1914-1918) |
|||||
Oficiais |
Sargentos |
Praças |
Praças indígenas |
Total |
|
CEP |
3.376 |
3.051 |
48.658 |
0 |
55.085 |
CAPI |
70 |
120 |
1.138 |
0 |
1.328 |
Angola (1914-1915) |
387 |
403 |
11.640 |
6.000 |
18.430 |
Moçambique (1914-1918) |
1.128 |
19.295 |
10.278 |
30.701 |
|
Soma |
4.961 |
3.574 |
80.731 |
16.278 |
105.542 |
Relação do pessoal Mobilizado para o CEP |
|||||||
Armas e Serviços |
Oficiais |
Sargentos |
Cabos |
Soldados |
Enfermeiras |
Enfermeiros |
Total |
Infantaria |
1.502 |
1.698 |
2.961 |
29.470 |
35.631 |
||
Artilharia |
628 |
639 |
1.132 |
7.223 |
9.622 |
||
Engenharia |
210 |
271 |
664 |
2.954 |
4.099 |
||
Cavalaria |
125 |
222 |
227 |
1.629 |
2.203 |
||
Serviço de Saúde |
475 |
163 |
311 |
978 |
1.927 |
||
Serviço de Administração Militar |
240 |
58 |
103 |
1.006 |
1.407 |
||
Armada |
1 |
1 |
|||||
Equiparados |
114 |
114 |
|||||
Corpo de Estado-Maior |
43 |
43 |
|||||
Cruz Vermelha |
2 |
54 |
26 |
82 |
|||
Secretariado |
36 |
36 |
|||||
Soma |
3.376 |
3.051 |
5.398 |
43.260 |
54 |
26 |
55.165 |
Fonte: Afonso, Aniceto, Gomes, Carlos Matos (2003). Portugal e a Grande Guerra balanço estatístico. Portugal Grande Guerra 1914-1918). Lisboa, Diário de Notícias, pp. 547-552.
Forças enviadas para Angola
Total |
|
Oficiais |
392 |
Praças |
11 570 |
Chauffers e artifices contratados |
207 |
Totais |
12 169 |
Fonte: Arrifes, Marco Fortunato, A Primeira Guerra na África, Angola e Moçambique (1914-1918), p. 169.
Forças enviadas para Moçambique
Total |
|
Oficiais |
825 |
Praças |
18 273 |
Chauffers e artifices contratados |
340 |
Totais |
19 438 |
Fonte: Arrifes, Marco Fortunato, A Primeira Guerra na África, Angola e Moçambique (1914-1918), p. 167.
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