Portugal e a Primeira Guerra Mundial

 

A notícia da declaração de Guerra da Inglaterra à Alemanha chegou a Portugal a 4 de Agosto de 1914. No mesmo dia, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros inglês, Eyre Crowe, aconselhou Portugal a abster-se de proclamar a neutralidade, assegurando que em caso de ataque pela Alemanha contra qualquer possessão portuguesa, o Governo de Sua Majestade considerar-se-á ligado pelas estipulações da aliança anglo-portuguesa. (Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 1997, p.17).

Entre a neutralidade e a beligerância. Guerristas e anti-guerristas

Instalar-se-ia entretanto a divergência, entre intervencionistas e não-intervencionistas na guerra, mesmo dentro do Governo. Desejada e procurada por uns, poucos, evitada ou rejeitada e criticada por outros, a intervenção de Portugal na Guerra e a participação específica de forças militares na frente europeia desencadeou um debate intenso, conturbado e generalizado, concentrando o confronto de ideias, argumentos e posições políticas extremadas, e concitando a contestação crescente de grande parte da sociedade portuguesa.

Os intervencionistas, liderados pelo partido Democrático chefiado por Afonso Costa, defendiam a participação de Portugal na frente europeia de guerra ao lado da Inglaterra. Já o líder do Partido Unionista, Brito Camacho, colocando em causa os argumentos apresentados pelos intervencionistas, defendia a necessidade de se respeitar a vontade da Inglaterra quanto ao papel e às funções que Portugal deveria ou não ser chamado a desempenhar na frente europeia de guerra. Camacho entendia que Portugal não deveria “forçar” a sua participação na guerra europeia.

Ao centro, assumindo um tom marcadamente moderado, encontrava-se o Partido Republicano Evolucionista, chefiado por António José de Almeida. O líder dos Evolucionistas nunca hesitou em colocar-se ao lado do governo britânico, dando-lhe o apoio do seu partido.  Democráticos e Evolucionistas constituiriam, em Março de 1916, o Governo de “União Sagrada”.

O Partido Socialista e os movimentos anarquistas e sindicais, apesar da sua fraca expressão numérica, mas significativa influência social, mostraram-se desde o início contrários à participação no conflito. 

Tanto “guerristas” como “anti-guerristas” defendiam o envio de tropas portuguesas para África, apontando a necessidade da República defender a  integridade do império colonial português.

Entretanto, embora a neutralidade acabasse por se manter até Março de 1916, os impactos de um conflito em escalada mundial, prolongando-se por um período muito para além do que se imaginara, far-se-iam sentir-se de forma muito intensa, refletindo-se na escassez e na carestia de bens essenciais à subsistência de uma população cujos níveis de contestação social e política se intensificavam.
A guerra nas colónias portuguesas em África

Em 1914, com exceção da Etiópia, da Libéria e da União Sul Africana, que eram independentes, da Líbia e de Marrocos que não tinham sido ainda “formalmente conquistados”, o resto do continente africano encontrava-se ocupado e dividido entre o Reino Unido, França, Portugal, Alemanha, Espanha, Itália e Bélgica. A Grã-Bretanha detinha o maior império em África, controlando cerca de 4/5 do comércio na região a Sul do Sahara. A Alemanha, por sua vez, dando continuidade à política iniciada por Bismark no final do século XIX, detinha um pequeno império, mas estrategicamente posicionado, estendendo-se de Madagáscar até à entrada do Mar Vermelho. Ambos os impérios faziam fronteira com territórios sob administração portuguesa, cujo domínio tinham começado a disputar no palco internacional.

A posição geo-estratégica dos territórios portugueses em África, aliada à dimensão periférica, económica e financeiramente frágil da metrópole, suscitou, logo a seguir ao assassinato de Sarajevo, a imediata e particular atenção da República portuguesa.
  
A 21 de Agosto de 1914, o Presidente do Ministério, Bernardino Machado, decretou a organização e o envio de dois destacamentos mistos (artilharia de montanha, cavalaria, infantaria e metralhadoras) com destino a Angola e Moçambique.
  
Entre 1914 e 1918 Portugal mobilizou cerca de 30 000 homens para combater em Angola e em Moçambique. Grande parte dos militares que integraram estas expedições chegaram a África já doentes, incapazes de resistir às terríveis condições de higiene vividas durante a viagem.
 
Portugal em Guerra

Em 1916 a posição de Portugal alterou-se tornando-se um país efetivamente beligerante a partir da declaração de Guerra que a Alemanha lhe dirigiria em Março de 1916. A declaração surgia na sequência do aprisionamento dos navios alemães e austríacos refugiados nas águas neutrais portuguesas que os ingleses solicitaram a Portugal.

A 23 de Fevereiro de 1916, um destacamento da Armada portuguesa subiu a bordo dos navios alemães e austríacos que se encontravam no estuário do Tejo e, com honras militares, fez içar a bandeira portuguesa.  A 9 de Março de 1916 a Alemanha declarou guerra a Portugal.
  
A declaração de guerra da Alemanha a Portugal determinou o início da intervenção portuguesa na frente europeia, dando lugar ao entendimento entre os Partidos Democrático e Evolucionista na constituição do Governo de União Sagrada.

A 24 de Maio, o ministro da Guerra, Norton de Matos, publicou um diploma ordenando o recenseamento militar obrigatório de todos os cidadãos com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos. Foram então criados o Corpo Expedicionário Português (CEP) e, mais tarde, o Corpo de Artilharia Pesada Independente (CAPI). A preparação do CEP tornou-se prioridade absoluta, iniciando-se o chamado “milagre de Tancos”.

O CEP, com duas divisões, combateu na Flandres entre Novembro de 1917 e 9 de Abril de 1918, ocupou um sector da frente entre Armentières e Bethune, compreendendo um distância de doze quilómetros.
  
Ao longo dos anos de 1917 e 1918 o CEP participou em vários combates. A sua intervenção ficou marcada pela batalha de La Lys, travada a 9 de Abril de 1918, data prevista para a rendição do efetivo militar português. O CEP foi destroçado pelo exército alemão e inúmeros dos seus efetivos feitos prisioneiros. O que sobrou do CEP deu origem, em Outubro, à formação de três batalhões que perseguiram a forças alemãs antes do Armistício.
Desde a entrada de Portugal na guerra até à assinatura do Armistício, a 11 de Novembro de 1918, Portugal mobilizou mais de 75 000 homens para a Flandres.
 
A República em Guerra

A mobilização do País para a guerra, convocando todos os recursos, humanos e materiais, ficou longe de suscitar o consenso, aumentando a contestação contra o governo da União Sagrada e o envio de tropas para França, crescendo as divisões internas em todos os planos, incluindo dentro das Forças Armadas.

Confrontada com o aumento das dificuldades, as reações repressivas do poder político e policial, o mais das vezes inusitadamente violentas, a ineficácia ou insuficiência das diversas medidas tomadas a nível nacional ou municipal, a população fez sentir a sua insatisfação e o seu desespero com uma intensidade impar ao longo dos anos do conflito. Aos problemas decorrentes da natureza do tecido produtivo nacional e do elevado grau de dependência externa, acresciam os efeitos da pressão inflacionista, do esforço financeiro associado às despesas de guerra, dos montantes atingidos pelo endividamento interno e externo, arrastando o País para um contexto de crise económica e financeira, cujas consequências perduraram para além do fim do conflito.
  
A Guerra, exacerbou vulnerabilidades económicas, acentuou divergências políticas e aprofundou clivagens sociais. A tendência evoluiu no sentido do agravamento da situação política e social do País, compondo o ambiente em que ocorreu o golpe de Sidónio Pais e, pondo em causa as instituições republicano-liberais, a experiência autoritária sidonista.
 
Ao impacto da Guerra ficou a somar-se o pesado saldo humano e material da participação portuguesa, e as expectativas frustradas dos que a tinham advogado, desde logo no plano internacional, conforme ficou explícito na Conferência de Paz.

Tendo tido um impacto brutal no campo económico e social e acabando por pôr em causa o próprio regime republicano, que em vão procurava afirmar-se através dela, para Portugal, a Guerra foi sob todos os pontos de vista a passagem para um Mundo diferente, inexoravelmente refém do impacto de uma guerra que se tornara global.

A I República, a prazo, soçobraria, tendo os efeitos da Guerra tido um peso determinante nesse desfecho, atuando num contexto de elevada crispação política, acentuada e crescente instabilidade e insatisfação social, transpondo os limites da resistência, entre a fome e a carestia. A guerra, como se repetiria mais tarde no quadro da II Guerra Mundial, deixava bem à vista a fragilidade da economia nacional, a incapacidade do seu tecido produtivo, a vulnerabilidade crónica da sua situação financeira e a impotência das soluções conjunturalmente encontradas. Não estranha ninguém o mal-estar social instalado ou a contestação crescente, e como o clima de instabilidade e violência abriu caminho a sucessivas conjunturas políticas, em particular a ditadura de Sidónio Pais, e, a prazo, ao esgotamento do modelo político liberal da própria I República.


Forças Mobilizadas entre 1914 e 1918

Total das Forças Mobilizadas para os teatros de Guerra da Europa e África (1914-1918)



Oficiais

Sargentos

Praças

Praças indígenas

Total

CEP

3.376

3.051

48.658

0

55.085

CAPI

70

120

1.138

0

1.328

Angola (1914-1915)

387

403

11.640

6.000

18.430

Moçambique (1914-1918)

1.128



19.295

10.278

30.701

Soma

4.961

3.574

80.731

16.278

105.542



Relação do pessoal Mobilizado para o CEP

Armas e Serviços

Oficiais

Sargentos

Cabos

Soldados

Enfermeiras

Enfermeiros

Total

Infantaria

1.502

1.698

2.961

29.470





35.631

Artilharia

628

639

1.132

7.223





9.622

Engenharia

210

271

664

2.954





4.099

Cavalaria

125

222

227

1.629





2.203

Serviço de Saúde

475

163

311

978





1.927

Serviço de Administração Militar

240

58

103

1.006





1.407

Armada

1











1

Equiparados

114











114

Corpo de Estado-Maior

43











43

Cruz Vermelha

2







54

26

82

Secretariado

36











36

Soma

3.376

3.051

5.398

43.260

54

26

55.165

Fonte: Afonso, Aniceto, Gomes, Carlos Matos (2003). Portugal e a Grande Guerra balanço estatístico. Portugal Grande Guerra 1914-1918). Lisboa, Diário de Notícias, pp. 547-552. 


Forças enviadas para Angola



Total

Oficiais

392

Praças

11 570

Chauffers e artifices contratados

207

Totais

12 169

Fonte: Arrifes, Marco Fortunato, A Primeira Guerra na África, Angola e Moçambique (1914-1918), p. 169. 


Forças enviadas para Moçambique



Total

Oficiais

825

Praças

18 273

Chauffers e artifices contratados

340

Totais

19 438

Fonte: Arrifes, Marco Fortunato, A Primeira Guerra na África, Angola e Moçambique (1914-1918), p. 167.

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