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A guerra em dois continentes – a passagem de Manuel Francisco na Grande Guerra

Ana Paula não descansou enquanto não descobriu mais informação relativa ao seu avô. Tendo sabido do nosso projecto, e sendo actualmente a portadora daquela memória familiar, visto que, de 3 irmãos, filhos de Manuel, apenas sobrevive a sua tia, decidiu-se a partilhar connosco algumas pequenas histórias e factos que descobriu, para que possamos resgatar a memória da guerra deste combatente, o qual passaria por dois continentes, tendo estado nos teatros de operações de África [Angola] e França, no contexto da Grande Guerra e da participação portuguesa neste conflito.

Segundo a sua filha, Manuel nunca falava da guerra, nem do que por lá se passou. Tendo o combatente falecido quando ela tinha 12 anos, de muito pouco se recorda. Contudo, uma coisa parece quase certa: quando Manuel foi para a guerra, era quase um solteirão convicto. Partirá para França, já na segunda fase do seu percurso neste conflito, com 31 anos de idade, e só se viria a casar com 38, bem depois da guerra. Assim, a filha recorda que se dizia, em jeito de graça, que os seus filhos deveriam ter «muitos irmãos negros», pois as peripécias daqueles tempos, passados em África, levavam a que os soldados portugueses sempre tivessem sido bem acolhidos e acarinhados pelas populações locais. Também em França foram sempre bem amados pelas Mademoiselles francesas. E ainda hoje, em ambos os locais, se contam histórias de descendências destes portugueses, desconhecidas e deixadas para trás.

Manuel nada dizia, sobre isto ou sobre esta época da sua vida, negra talvez, mas quem sabe de sofrimento e dos horrores que terá visto. Contava sim peripécias, mas dos tempos da tropa, nada relatando dos tempos da guerra. Os seus filhos eram também muito novos quando Manuel faleceu em 1949. O primeiro tinha nascido em 1930, a tia de Ana em 1937 e o mais novo em 1942.
Sabemos agora que Manuel se alistou em 10 de Março de 1904, como voluntário, pertencendo ao contingente de 1907 e a cargo do distrito de Leiria. O tempo como militar começou a ser contado desde esta data, tendo sido incorporado no 2º batalhão do Regimento de Infantaria 17.

Ana Paula descobriu que o avô se alistou como aprendiz de corneteiro. Todavia, o seu processo refere que era igualmente atirador de 1ª classe. Pronto da instrução de recrutas em 16 Junho 1904, ficou igualmente pronto da instrução da sua especialidade naquele mesmo ano, tendo passado a corneteiro em 21 Agosto. Continuaria no serviço activo por mais um ano. Entretanto declara que desejava ser readmitido novamente, o que sucede em 10 de Março de 1911. Regressado ao R.I. 17, passou ao 3º Batalhão em 1 de agosto e ao 1º batalhão em 24 Dezembro. Tomou parte da Escola de Recrutas de 1912 e 1913. E no ano seguinte começaria o seu percurso em África, já no contexto da Grande Guerra.
Foi destacado para a província de Angola em 10 de Dezembro, [termos do Decreto de 11 de Novembro de 1914], embarcando nesse mesmo dia, desde quando conta 100% de aumento sobre o tempo de serviço. Desembarcou em Moçâmedes [então Mossamedes] em 24, desde quando conta mais 50% de aumento sobre o tempo de serviço.

A partir de Janeiro de 1915 toma parte das operações na Mongua, Cuanhama, no Sul de Angola pertencendo ao 3º batalhão do R.I. 17. Embarcou de regresso à metrópole em 3 de Fevereiro de 1916, desembarcando em Lisboa em 19 daquele mês. Apresenta-se ao quartel do 2º batalhão em 21 de Fevereiro de 1916.
Em 31 de Dezembro de 1916 iniciava-se oficialmente uma nova comissão de serviço, retornando à vida militar activa e caminhando agora para outro teatro de operações, o de França. Fazendo parte do C.E.P. embarcou para França em 8 de agosto de 1917. Sabemos ainda que foi promovido a contramestre de corneteiros, para preenchimento de vaga no seu balhão, a 30 de Maio de 1918. Regresso de França em Outubro de 1918, chegando a Lisboa a 15 daquele mês. O objectivo era vir gozar a Portugal os seus 60 dias de licença da junta, pelo que podemos deduzir, pelo tipo de licença (de uma junta médica) e pela dimensão da mesma, que veio convalescer aos ares pátrios.

Não regressará a França, mas regressará à vida militar activa, logo a partir de 17 de Dezembro de 1918. Em 24 de Fevereiro de 1921 foi aprovado no exame para 2º sargento mestre de corneteiros, com 15 valores. Em 8 de Março de 1923, é já 2º sargento mestre de corneteiros. Começaria igualmente a sua movimentação militar, pois passou ao Regimento de Infantaria 6 algum tempo depois, ao Batalhão de Caçadores 9 em 1 de Outubro 1926, ao Depósito do Batalhão em 1 Março de 1927… Só passaria à 6ª Companhia de reformados em 1931.
Ana conseguiu ainda obter informação sobre os seus prémios, condecorações e louvores:

- Medalha militar de cobre da classe de comportamento exemplar, OE nº7-2ª série de 28 março 1911
- Medalha militar de cobre comemorativa das campanhas do exército português ao Sul de Angola em 1914-1915, nos termos do D. nº 2941 OE nº1 2ª série de 1917
- Medalha militar de cobre comemorativa da campanha do exército português em França nos anos de 1917-1918 pelo D. nº 5400 de 12-4-1919)
- Medalha da vitória, pelo D. 6186 de 20 (?) -10-1919
- Louvado porque durante o tempo em que dirigiu a instrução dos aprendizes de corneteiros, conseguiu à custa de zelo notável que os referidos aprendizes muito se desenvolvessem na instrução da sua especialidade OR nº 310 de 5-11-1920. Distintivo de que trata o Artº nº 2 da R. das O. M. Portuguesas. OE 710(?)/4 2ª série de 18 agosto de 1928 (OR de 9/5-125 do RI 6)
- Medalha militar de prata da classe de comportamento exemplar, em substituição da de cobre OE 18 (2ª série) de 18-9-1926
Quando a avó de Ana Paula faleceu, em 1976, uma parte da memória pereceu com ela. Agora a família resgata as lembranças e procura os objectos que podem se ter dispersado. Por não ter informação, a sua neta Ana teve de perguntar, informar-se, questionar os arquivos, para obter os dados que agora possui. Porque Ana Paula se vê, e merecidamente, como uma das guardiãs da memória do seu avô Manuel, sentido a necessidade de resgatar o mesmo do esquecimento a que todos estes combatentes foram votados. Ou, como a própria nos disse:

«A guerra não se fez só de grandes nomes, e todos estes militares, quase sem nome, foram uma parte importantíssima desse capítulo».

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Ana Paula Pereira

Intervenientes

 

Nome
Manuel Francisco
Cargo
Soldado Corneteiro

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
África; França

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados

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