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A história de Júlio e Sebastião Gonçalves. Duas vidas separadas, agora unidas pela mesma guerra.

Como bem refere Júlio Gamelas Gonçalves, um dia houve que uma mãe se despediu dos seus dois filhos, que no mesmo dia partiam para a guerra. Um, mobilizado para a Flandres; o outro, para África. Ficaram as irmãs, Gracinda e Edviges, como era comum na época. Júlio Gonçalves embarcou em Fevereiro de 1914, proveniente de um regimento do Porto e integrando o primeiro contingente do CEP rumo ao norte de França. Refere o seu neto que o mesmo era 1º Sargento. Na Flandres, referia ele que a sua missão era detectar nuvens, naquela época nuvens venenosas, as que matavam, as de gás mostarda, avisando por códigos de bandeiras quando os homens deviam colocar as máscaras, em si e nos animais. Seu neto diz que, uma vez ferido num combate corpo a corpo, foi retirado para a retaguarda, a 8 de Abril, véspera da batalha de La Lys. Por essa altura contava já com seis meses de trincheiras, nas condições profusamente descritas em bibliografia diversa, e hoje de todos conhecidas. Júlio conseguiu sobreviver aos seus ferimentos.

Como seu neto recorda, sempre foi adverso a relatos de guerra, como se bloqueasse desta forma as memórias dolorosas. Tudo o que Júlio contou, ao longo dos tempos, conseguiu chegar ao neto, mas levemente, trazido pelo tempo. Assim ficou ele a saber que seu avô foi cosido num testículo, num hospital de campanha, e a anestesia pouco efeito teve. Não houve mitigar da sua dor. Da luta, apenas silêncio. Deixou no entanto um acervo de documentação sobre o conflito. Revistas da Grande Guerra e outros, que acabaram por se perder, pois o papel, como a memória, também de deteriora. Na família, resta o Livro de Ouro da Infantaria, outro sobre a Brigada do Minho na Flandres, e o capacete original, fornecido pelos ingleses. Prosseguiu a sua carreira militar na Escola Central de Sargentos, em Águeda, e no período de agitação democrática, foi destacado para diversos pontos do país, para cumprir funções tão díspares como a edificação de pontes e estradas ou ser chefe de estação ferroviária, com uma longa comissão em Lagos. Faleceu aos 77 anos após doença prolongada. Encontra-se sepultado no talhão dos combatentes da Grande Guerra no cemitério de Aveiro.

Já Sebastião, por causas que se desconhecem, foi chamado de África e, tempo depois, incorporado no CEP, pois terá sido enviado para França. Curiosamente, refere seu sobrinho-neto, Sebastião deveria ter ido render o seu irmão, que há meses esperava por um alivio das trincheiras. Todavia, crê-se que não se chegaram a encontrar. Apanhado na fatídica manhã de 9 de Abril de 1918, foi feito prisioneiro num campo de concentração alemão em Lille, onde terá permanecido durante 5 meses e um dia. Desse período sabe-se que foi chamado ao chefe do campo e obrigado a assistir à tradução de uma carta que escreveu à namorada, para se certificarem que nada de mal era dito sobre as condições no campo. Afirmava posteriormente que ingleses e franceses era severamente espancados mas não os portugueses. Inversamente ao irmão, como refere Júlio Gamelas Gonçalves, falava muito sobre a vida nas trincheiras. Uma das coisas que referenciava era a forma exímia como usava a metralhadora Maxime. Já velho, dizia-se na família que alguns relatos de vívida exaltação poderiam estar correlacionados com o facto de ter inalado gases. Uma das coisas que corroborava o facto de ter sido gaseado seria a sua débil visão. Como tantos, a saúde debilitou-se e foi sempre reflexo da inalação de produtos venenosos. Sebastião faleceu em Albergaria-a-Velha.

Júlio Gamelas Gonçalves acrescenta ainda: «Júlio Gonçalves era meu avô e Sebastião Gonçalves meu tio-avô. No ano em se comemora o Centenário da participação portuguesa na Grande Guerra presto aqui a minha humilde homenagem aos meus antepassados e a todos os seus camaradas que menos afortunadamente, derramaram o seu sangue. Cumpre dizer, num contexto histórico, que os 7500 portugueses tombados desde madrugada até às 10 da manhã de 9 de Abril de 1918, na chamada Batalha de La Lys, (inserida num contexto maior denominada de Batalha do Ypre) permitiram o reagrupamento das tropas inglesas gorando o intento dos alemães de chegarem ao Havre (Operação Georgette) e flanquearem as tropas aliadas. Escreveram a sangue uma das mais gloriosas páginas da História militar portuguesa. Que Deus os tenha em eterna glória.»

Existem os que pouco sabem sobre o que sucedeu aos seus, aos combatentes portugueses da Grande Guerra. Este não é o caso de Júlio Gamelas Gonçalves, pese embora que a história destes dois irmãos estará sempre aberta, à espera de novos pormenores.

A Grande Guerra aproxima-se. As evocações, as lembranças, as memórias começam a fervilhar, e exaltam-se os espíritos. É a memória, a fugir ao esquecimento, que nos trás histórias, histórias como esta, de dois irmãos que lutaram numa mesma guerra... Há quase 100 anos.

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Júlio Gamelas Gonçalves

Intervenientes

 

Nome
Júlio Gonçalves
Cargo
Soldado
Nome
Sebastião Gonçalves
Cargo
Soldado

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
África; França

Mais informações

 

Data do início da história
1916
Data do fim da história
1919

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/7201-a-historia-de-julio-e-sebastiao-goncalves-duas-vidas-separadas-e-agora-unidas-pela-mesma-guerra

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