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Zacarias Guerreiro e a biografia de um combatente falecido em La Lys

A Grande Guerra afectou muitas famílias em Portugal, sendo que algumas viram um ou dois membros serem recrutados… Outras, viram partir todos os jovens que pudessem ir à guerra, salvo se algum tivesse algum problema de saúde ou impedimento físico. Tal foi o que sucedeu com a família de Zacarias Guerreiro, um dos filhos do Governador Civil de Faro e Presidente da Câmara de Tavira. Seu irmão Eduardo, do qual demos já a conhecer vários postais, faleceu a 9 de Abril de 1918 em La Lys, durante a batalha que usualmente é denominada com o mesmo nome. Zacarias Guerreiro escreveu então, pouco tempo depois, uma memória, relacionada com o sucedido, que nos indicia o que ele sabia sobre o falecimento do irmão e a forma como tal afectou a própria família. Eduardo era muito apegado à sua mãe, mas não foi o único que a mesma viu partir para a guerra. Para aquele conflito enviou dois dos seus rapazes. Zacarias era o irmão do meio. O mais velho, José Diogo Guerreiro, era médico, e esteve igualmente em França. Diz-se na família que veio imensamente abalado do conflito, nunca querendo falar sobre o mesmo. Afinal de contas, também ele perdera um irmão, e teria sido preso, ao que se conta, pelos boches, os alemães. Eduardo, o irmão mais novo, como Rosarinho Rodrigues bem refere, faleceu naquela batalha, amaldiçoada por tantos. E Zacarias só não foi à guerra porque tinha já passado pelo trauma da perda de uma vista, o que sucedeu num acidente de caça, e o deixara impossibilitado de cumprir o serviço militar, tornando-se isento do mesmo por causa da deficiência visual adquirida.

Este «escrito», que a sogra de Rosarinho Rodrigues encontrou quando foi à casa de família em Tavira, foi escrito por seu pai, não se sabe bem quando, mas pouco tempo depois da notícia ter sido dada à família. Agora, e já com avançada idade, a mesma passou o testemunho à sua nora, que se tornou fiel depositária desta e de outras memórias. E o que vemos é que, em poucas linhas, rabiscadas num papel encimado pelo seu nome, Zacarias Guerreiro escreve (e conta-nos) a história do seu irmão Eduardo, falecido em La Lys na manhã de 9 de Abril de 1918. Talvez o tenha feito por dor, ou simplesmente para que, no futuro, não se perdessem pormenores importantes, e a memória não fizesse dissipar no tempo a memória daquele que, conjuntamente com José Diogo, compartiu os seus anos de meninice.

Neste seu documento pequeno, escrito de forma assertiva e muito conciso, Zacarias acabaria por nos deixar pormenores diversos, mas importantes, como os dados relativos à partida de seu irmão, à época um estudante, para a Escola de Oficiais, e a sua integração nos contingentes enviados a França. Zacarias reconhece no seu irmão a bravura dos que faleceram naquela batalha. Menciona as suas condecorações e os pormenores que lhe foram contados, acerca da sua morte. Pormenores esses que são extremamente precisos, e nos quais nos relata a localização exacta do local onde o corpo de Eduardo da Fonseca Guerreiro foi encontrado, conjuntamente com outros, de outros seus camaradas, na manhã fatídica de 9 de Abril. Era a memória daquele que não mais veriam, tendo o seu corpo ficado em França, primeiro em algum cemitério militar, como tantos que por ali existiram, e depois no cemitério de Richebourg, onde se reuniram quase todos os corpos dos soldados caídos ao serviço da sua pátria. Ali ficou Eduardo, num dos covais, ainda hoje existentes, sem que a família tivesse conseguido alguma vez visitá-lo. Somente muitos anos depois, por intervenção de Afonso da Silva Maia, também ele familiar de um combatente, a sua sobrinha poderia ver a sua campa, por intermédio das novas tecnologias, é certo, mas emocionando-se profundamente com a fotografia que lhe mostraram do túmulo do seu familiar.

Quanto ao pequeno documento, transcrevemo-lo assim, dando voz à dor de uma família, através das palavras de um irmão que, em poucos meses, perdeu um dos seus companheiros de infância:

«Zacarias Guerreiro Tavira (Portugal)

Biografia

Eduardo da Fonseca Guerreiro, filho de Maria Joaquina da Fonseca Guerreiro e de Zacarias José Guerreiro, nascido na Quinta do Pinheirinho, freguesia de Santiago, Concelho de Tavira, em (16 de Julho ?) de 1893, cursou o liceu de Faro até ao 7º ano.

Estando a cursar a Faculdade de Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra foi convocado para frequentar a Escola de oficiais Milicianos, tendo sido promovido a alferes miliciano e colocado em Infantaria 33, em 17 de Agosto de 1916.

Esteve nas manobras de Tancos, em Outubro deste ano, fazendo parte de Infantaria 10 (Bragança) e regressando a Lagos em 26 - II - 917.

Transferido para Infantaria 29 (Braga), (já em França), em 17 de Maio. Embarcou para se juntar ao seu batalhão, em 8 de Agosto.

Promovido por distinção a Tenente, contando-se a antiguidade desde 22 de Novembro do ano anterior, em 5 de Janeiro de 1918.

Foi condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª Classe, em 12 de Janeiro de 1917.

Morto na manhã de 9 de Abril de 1918, em França (Batalha de La Lys) e novamente condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª Classe post mortem. O seu cadáver foi encontrado num coval, por indicação civil, perto do cruzamento da rua Baquerôt com a rua Masselôt juntamente com os cadaveres de outros camaradas. A reinumação foi feita no Cemitério Militar de Vielle Chapelle, talhão português, nº 10, fila D, coval 17. »

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Rosarinho Rodrigues e família

Intervenientes

 

Nome
Zacarias Guerreiro
Nome
Eduardo da Fonseca Guerreiro
Cargo
Tenente

Mais informações

 

Região
Algarve
Local
Tavira

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias/historias/item/6955-zacarias-guerreiro-e-a-biografia-de-um-combatente-falecido-em-la-lys

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A sobrinha de Eduardo da Fonseca Guerreiro, ainda viva e com mais de 90 anos, preservou por anos a memória de um tio que nunca conheceu, assim como centenas de postais que o mesmo combatente enviava de França a sua mãe, durante a Grande Guerra. Malogradamente, Eduardo viria a falecer em 9 de Abril de 1918. Contudo, a sua memória perdura através das suas palavras, reflexo de um amor entre mãe e filho que ainda hoje ecoa no tempo.

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