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A dedicação do alferes do C.A.P. José Estevão Coelho de Magalhães

José Estevão Coelho de Magalhães nasceu a 2 de Setembro de 1893 na Quinta do Mosteiro, em Moreira da Maia, neto de José Estevão, jornalista, político e parlamentar, e quinto filho do conselheiro Luís Cipriano Coelho de Magalhães e de Maria da Conceição de Lemos Pereira de Lacerda Sant´Iago. Era o primeiro filho varão do casal. Depois dele terá nascido outro rapaz, que faleceu, e a irmã mais nova, a última filha do casal e avó materna de Rita van Zeller, que trouxe até nós esta história. Como era hábito na altura, José Estevão fez os seus primeiros estudos em casa, frequentando depois o Colégio do Espírito Santo em Braga, em regime de internato. Quando se deu o 5 de Outubro de 1910, a família partiu para o exílio junto com D. Manuel II, estabelecendo-se em Londres e regressando apenas quando o conselheiro, pai de José Estevão, foi amnistiado, nos inícios de 1914.
O tio-avô de Rita van Zeller terá então partido para estudar na Universidade Católica de Louvain, com um grupo de portugueses, onde, por muito pouco, escapou de ser expulso. Como se recordava a sua irmã mais nova, o estudo naquela instituição era muito rigoroso, e eles começaram a fazer “partes”, ou seja, partidas, como era moda em Coimbra, sendo que tais brincadeiras estudantis quase valeram a todos a referida expulsão. Como membro adorado da família, único rapaz entre tantas raparigas, duas das suas irmãs escreveram sobre ele, recordando-o com muito afecto nas suas obras. Joana Inês de Lemos Coelho de Magalhães mencionou-o em trabalho de sua lavra, que publicou em 1959, com o título de Luíz de Magalhães – a sua evolução espiritual, dedicado à vida do seu pai. Maria José de Lemos Coelho de Magalhães, sua irmã mais nova, recordou o irmão nas suas “Memórias”, que deixou aos filhos e netos, recordando a vida da sua família. Nestas obras as irmãs esclarecem um pouco mais sobre a vida de José Estevão, a qual pudemos confirmar com documentação contida no Arquivo Histórico Militar.
O único filho homem da família estaria em Gand, na universidade, quando os alemães invadiram a Bélgica. Quando se soube da notícia em Portugal, todos entraram em pânico, por sabê-lo na zona ocupada, descobrindo depois que o mesmo, conjuntamente com um grupo de portugueses, tinha conseguido angariar verba suficiente para financiar uma rápida viagem de retorno a Portugal. Uma noite, de forma inesperada, sem que dele se soubessem muitas notícias, apareceu em casa, são e salvo, causando comoção entre os familiares. Seria esta guerra a que provocaria a alteração total da vida de José Estevão, que resolveu matricular-se em Engenharia na Universidade do Porto mas onde permaneceu por pouco tempo. Quando Portugal abandonou a neutralidade e entrou na guerra, «foi mobilizado como miliciano para artilharia pesada, e em Janeiro de 1918 vimo-lo partir…» refere sua irmã Joana. Dessa altura deverá ser a fotografia em que surge acompanhado por um desconhecido, junto a uma casa, a qual foi tirada por sua mãe, fotógrafa amadora, em Setúbal. Maria José recorda igualmente nas suas «Memórias» a partida de seu único irmão: «Em Janeiro de 1918 foi o José para Inglaterra. Passou uns dias em Moreira que foram uma terrível despedida. Teve uma curta instrução em Inglaterra, vindo depois para França, Alferes de Artilharia Pesada. Não sei de todo por que parte da frente o mandaram, apenas que com os bombardeamentos, ensurdeceu por tal forma que era preciso escrever-lhe tudo quanto precisava de ser informado.».
Segundo a mesma, o combatente teria ainda estado presente no 9 de Abril de 1918, onde tinha sido severamente gaseado. O gaseamento foi, aliás, a razão à qual atribuíram sempre a sua morte prematura, 4 anos depois do seu regresso a Portugal. Como da guerra pouco falava, o seu impedido, que depois da guerra com ele permaneceu, sendo seu criado de quarto, terá referido que as proteções contra o gaseamento eram inexistentes, e que a única forma de combate ao gás era cheirando amónia, mas como tratou sempre de dá-la aos combatentes pelos quais se responsabilizara, antes de usá-la para si próprio, chegando a ele nada havia.
Na realidade, o combatente não aparenta estar na fatídica batalha de 9 de Abril, a batalha de La Lys, como ficou conhecida na historiografia portuguesa. Contudo, percorreu zonas perto, andando pelo Front, e o seu percurso pode ajudar a esclarecer mais sobre a forma como se encontrou exposto a gases e a cansaço extremo, enquanto foi alferes do Corpo de Artilharia Pesada, o C.A.P., trabalhando com os Britânicos. Os boletins individuais de José Estevão, porque o mesmo possui mais do que um, apresentam-no como Alferes Miliciano, pertencente à 9ª Bateria de Artilharia Pesada, e regressando a Lisboa como parte de outra Bateria, relocalizado assim na 4ª Bateria do 2º Grupo do C.A.P. Embarcando de Lisboa a 18 de Janeiro por via terrestre, desembarcou em Paris, onde chegou a 22 de Janeiro, seguindo depois para Inglaterra, tal como suas irmãs referiram, a 29 e Janeiro de 1918. Estava presente no Corpo de Artilharia Pesada a 30 de Janeiro de 1918 para instrução, e foi colocado então na 5ª Bateria do 2º Grupo C.A.P., que de forma mais comum era conhecida como a 10ª Bateria de Artilharia Pesada.
Segue de navio para França a 1 de Março de 1918, onde chegou no dia seguinte. Desta sua viagem, ou da que fez a bordo de um navio para Inglaterra, deverão ser as fotografias que o mesmo tirou com máquina própria, e que podemos apresentar aqui, pertença do espólio da família van Zeller. Deste constariam ainda as fotografias tiradas numa casa típica da zona da Flandres, em convívio com oficiais e com os donos da mesma, em momentos de pausa. Fotografias que reflectem a camaradagem entre os membros do C.A.P. e que são totalmente inéditas. Um dos seus boletins refere que, chegado a França, se apresentou em Calonne a 4 de Março de 1918, marchando depois com a bateria provavelmente para Brexant ou Bressoux, apesar desta informação estar consideravelmente ilegível. A viagem começa exactamente a 9 de Abril e termina a 13 daquele mês. Poderemos estar a referenciar Calonne-sur-la-Lys e sua área limítrofe, mas também Calonne e Bressoux na Bélgica, onde se sabe que as baterias do C.A.P. também estiveram. Esta é a parte do seu percurso mais difícil de compreender.
O boletim refere a sua movimentação para o Front em 24 de Abril de 1918, onde assentou dois dias depois. O lugar exacto não é, no entanto, explicitado. Em Julho de 1918 teve passagem à 4ª Bateria do 2º Grupo do C.A.P. conhecida como a 9ª Bateria de Artilharia Pesada. Retirou da frente com a mesma pouco depois do Armistício, a 14 de Novembro. Contudo, só saberemos que marchou para Cherbourg em 17 de Março de 1919, sendo o período entre Novembro e Março um hiato temporal sem referências de percurso ou assentamento. A 19 de Março chega àquela localidade francesa e embarcará em Brest, a 15 de Abril, a bordo do transporte inglês North Western Miller, regressando a Portugal mas, desta vez, por via marítima. Do seu registo disciplinar nada constaria, mas não podemos deixar de referenciar que, em Fevereiro de 1919 recebeu um louvor pelo zelo, dedicação e sacrifício demonstrado quando, em serviço numa Bateria de Artilharia Pesada – e não especificada – manteve todos os soldados da mesma activos. Sendo que havia apenas três oficiais na mesma, o trabalho era extenuante mas conseguiram manter na frente duas secções que estavam adstritas a baterias inglesas, o que foi salvaguardado no seu boletim e que agora também salientamos.
Este era o ambiente da guerra. Entretanto a sua família vivia a angústia de sabê-lo na frente. Maria José referia: «Aqueles que tiveram uma pessoa da família na guerra sabem o que foram esses longos meses de contínuo sobressalto, semanas e semanas sem notícias, quando a cada segundo a morte espreitava.». Quando retornou, vinha com boa aparência, bem-disposto, e nada se notava do gaseamento a que foi sujeito durante os tempos de guerra, ou qualquer mau trato que a mesma lhe tivesse infligido durante os largos meses na frente europeia. Jovem alegre mas reservado, considerado por todos belo e inteligente, era a alegria da casa e o fiel depositário das grandes esperanças familiares, por parte de seus pais e suas irmãs, goradas por uma morte precoce que o chamou na flor da idade. O sonho que tivera, desde criança, de «ser soldado», ideal do qual desistirá aquando da queda da Monarquia, resolvendo então fazer o curso de Engenharia Civil, acabaria por concretizar-se mas não sem que todos os seus familiares tenham atribuído a tal a causa da sua morte. José Estevão adoeceu gravemente em Janeiro de 1922.
A causa da doença que o consumiria em poucos meses foi sempre atribuída à Grande Guerra e aos envenenamentos gasosos ali sofridos. Já depois da sua morte, o seu impedido teria contado que, no Front, uma vez foram todos fortemente gaseados, e ele mais que todos, porque «tinha primeiro acautelado os soldados e não houve máscara para ele». Faleceu aos 28 anos, a 23 de Abril de 1922, na mesma casa que o vira nascer. A sua família possui, para além do espólio fotográfico, uma medalha e ainda a sua farda, chapéu, e as memórias dos tempos em que combateu na Primeira Guerra Mundial.

Informação Adicional

Autor - Relator
Margarida Portela
Testemunha - Contador
Rita van Zeller

Intervenientes

 

Nome
José Estevão Coelho de Magalhães
Cargo
Alferes do Corpo de Artilharia Pesada (C.A.P.)

Teatros de Guerra

 

Teatros de Guerra
França; Belgica

Mais informações

 

Data do início da história
1916
Data do fim da história
1918

Direitos e Divulgação

 

Entidade detentora de direitos
Instituto de Historia Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa – Portugal
Tipo de direitos
Todos os direitos reservados
Link para acesso externo
http://www.portugal1914.org/portal/pt/memorias-da-i-guerra/historias/item/6669-a-dedicacao-do-alferes-do-c-a-p-jose-estevao-coelho-de-magalhaes

Objectos Relacionados

José Estevão antes de ir para Inglaterra

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Fotografia de estúdio, fardado, oferecida por José Estevão à sua mãe e com dedicatória

A bordo de um navio, José Estevão e seus companheiros de viagem

Companheiros de José Estevão e o próprio, convivendo no convés de um navio

Camaradagem de guerra

Refeição de elementos do C.A.P., provavelmente na Flandres Francesa ou Belga

Convivendo com os habitantes

Chapéu de José Estevão

Medalha atribuida a José Estevão

Outro chapéu do alferes de artilharia pesada José Estevão

Botão da farda de José Estevão

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